sábado, 18 de abril de 2020

caolha de si mesma

Um corpo quase nu.
Ele busca uma dança própria. Quer voar.
Seus pés estão presos nas raízes da terra.
Há pudor em enxergar as próprias raízes da terra emaranhadas, sujas, meladas, cheias de terras e vermes.
Há ainda um fio que a retém de dançar voando.
É perceptível aos olhos dos outros.
Caolha, luta pela visão de si mesma.
O que ainda há escondido entre suas pernas amarradas?

segunda-feira, 30 de março de 2020

sem lógica no momento.

O mundo virou de ponta cabeça e a gente já perdeu a cabeça.
Eu queria uma lógica para meus dias sem data.
O lençol amassado já não acolhe o sono roubado.
Filha que chora e dança de férias na sala.
Grito: Fora!
Grito dentro.
Preciso de acalento.
Mas estou sem nada
no momento.

domingo, 22 de março de 2020

espalhamento de amor.

"Espalhar amor" parece tão clichê.
Mas acho que
no fim
clichê
é julgar
o amor.
Amar nada mais é que
compartilhar:
Afetos.
Pensamentos.
Toques.
Olhares.
Sejamos todos.
Clichês no amor.
Em tempos de fim.
Em tempos de falta de.
Em tempos de guardar
para espalhar.

gosto da morte porque gosto da vida

Eu poderia ter tomado um logan antes de dormir, mas eu lembrei que uma vez pensei que quando eu morrer quero estar bem lúcida para saber como é esta tal de “passagem”. 
Eu não acho que eu vou morrer agora. Nem nos próximos dias. Mas eu gosto de imaginar o que aconteceria se isso acontecesse.
Se meus gatos morreriam de fome, quem me acharia morta e como seria se alguém encontrasse meu corpo nu estendido na cama ou no chão da cozinha.
O que fariam das minhas coisas? Meus livros? Minhas ideias?
Quem cuidaria da minha filha? Lembrariam de escovar os dentes e de lembrá-la que a nossa imaginação é a coisa mais valiosa que temos?
Quem leria meus diários que guardo desde 2014 com todas as obscenidades e verdades sobre meu viver e pensar? Quem choraria escondido por mim? Quem pediria perdão do lado do caixão e quem se arrependeria de nunca ter dito Eu te amo na hora certa. Ou ter dito apenas que foi bom estar comigo, mas queria dizer mais.
E aqueles que sentiriam raiva? Ou dó. Ou nada. Ou que guardariam segredos eternos. 
Ou que simplesmente passariam o dedo numa timelime após ler mais uma notícia de velório.
Que roupa eu vestiria? Vestido? Jeans? Qual calcinha colocariam? E que música tocariam? Será que respeitariam as minhas vontades ou seriam mais práticos? Morto tem vontade?

Eu gosto de pensar nisso. Nessas coisas assim. Não porque eu seja macabra. Tudo bem, talvez um pouco sádica, mas eu gosto de pensar sobre isso para lembrar que eu estou bem viva. Pra me trazer a concretude da vida. E também me lembrar que eu gosto de ser viva. Gosto demasiadamente. Só isso.


sexta-feira, 20 de março de 2020

a quarentena e o tempo.

O vírus invadiu o mundo e diante de mim vejo uma grande bola viral gritando: acalme-se.
Já há quatro dias em quarentena penso que talvez eu já esteja perdendo o controle do tempo. E que talvez perder o controle seja realmente muito bom. E talvez seja isso que o ser humano esteja precisando. E talvez seja isso que eu esteja.
Acordo cedo, durmo tarde, faço café todos os dias só para mim, mesmo sabendo que vai sobrar na jarra e que vou ter que jogar fora um pouco. Todos os dias. E o desperdício me incomoda.
Tenho feito comida também todos os dias, em pequenas quantidades, como se poupasse a geladeira para uma necessidade futura maior. Como se em breve a gente tivesse que aprender a viver com o que tem em casa. E só. Até acabar. Racionamento antecipado pra aprender a viver com pouco.
Hoje acordei mais leve e com vontade de ficar em reclusão. Parece contraditório isso, mas eu realmente acordei com vontade de apenas curtir a minha filha e a mim mesmo. De curtirmos esse tempo que a vida está dando para gente. Mesmo que forçado. Por que isso deveria ser louco? Curtir a si mesmo deveria ser o nosso dia sempre, não?! Pensando aqui o que podemos criar juntas. Pintar, escrever, brincar. E isso me acalma. Ela me ajuda a enxergar essa falta de controle de tempo. Esse estado de deixar acontecer naturalmente, como se fosse um pagode brega esta vida.
Ela acordou. Preciso ir. Mas volto logo. Só não prometo quando, pois agora estou fora de controle.